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A Defensoria Pública de São Paulo pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (27) que determine mudanças em edital do governo paulista para compra de câmeras em uniformes de policiais, conhecidas como câmeras corporais.
O pedido foi enviado ao presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ação movida pela Defensoria que trata do tema no Supremo.
A Defensoria assina o documento ao lado de entidades de direitos humanos, que citam preocupação com pontos do edital e afirmam se tratar de “retrocesso na política de segurança”.
O edital do Governo de São Paulo foi lançado em 22 de maio, prevendo a contratação de 12 mil câmeras. A sessão pública da licitação está marcada para 10 de junho.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi alvo de críticas de especialistas pelo fato de o edital dar autonomia aos policiais ligar e desligar o equipamento.
Segundo a Defensoria, esse ponto é um “retrocesso na política que, ao invés de gravar de forma automática e ininterrupta, passa a depender de acionamento humano e arbitrário por parte do agente policial, o que faz com que, na prática, o programa tal qual concebido deixe de existir”.
“A mudança na configuração do programa indica verdadeiro cenário de retrocesso da política de segurança, sobretudo no que se refere à redução da letalidade policial e proteção dos grupos mais afetados: os jovens, negros e periféricos”, disse o órgão.
Outro ponto contestado no edital é o que trata do tempo em que as imagens ficam armazenadas.
Conforme a manifestação ao STF, o programa atualmente prevê que os vídeos de rotina sejam armazenados por 60 dias e que as gravações intencionais permaneçam disponíveis por 365 dias. No edital, o prazo foi reduzido para 30 dias.
“O edital também se mostra bastante vago na medida em que não estabelece como exigência a comprovação de fornecimento do ‘objeto licitado’ ou de ‘câmeras corporais’, mas sim de ‘câmeras de vídeo’”, afirmou a defensoria.
“Câmera de vídeo não é sinônimo de câmera operacional portátil e, ao não especificar como critério o objeto licitado, o edital dá margem para que empresas que tenham fornecido câmeras de vídeo fixas possam participar do certame.”
A defensoria pede que o edital:
- estabeleça que as novas câmeras contratadas sejam destinadas, preferencialmente, às unidades e batalhões que realizam operações policiais;
- cite que a câmera deverá ter os dois modelos de gravação (automática e intencional) e não pode depender única e exclusivamente do acionamento do policial militar, local ou remotamente pelo gestor;
- mantenha o tempo de armazenamento atual das imagens (60 dias para as gravações de rotina e 365 dias para as gravações intencionais);
- fixe exigência mínima de requisitos do Tribunal de Contas do Estado para habilitação técnica das empresas concorrentes no certame (entre as exigência, há, por exemplo, comprovação da qualificação operacional).
Compromisso no STF
No final de abril, Barroso rejeitou novo pedido para obrigar o governo de São Paulo a adotar o uso de câmeras corporais em policiais durante operações.
O ministro disse que a medida é importante e que há “compromisso assumido” pelo governo do estado para efetivar a implementação de câmeras de forma voluntária.
Um cronograma apresentado ao Supremo estabelece a implementação até setembro de 2024. Se a gestão do governador Tarcísio de Freitas não cumprir o prometido, o STF poderá reanalisar a questão.
A decisão de Barroso foi dada em pedido de reconsideração apresentada pela Defensoria Pública de São Paulo e por entidades.
Em dezembro, o magistrado já havia rejeitado derrubar uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que negou obrigar a instalação das câmeras nos policiais.
No pedido de reconsideração, foram citados “fatos novos”, como os altos índices de letalidade policial nas operações Escudo e Verão, feitas na Baixada Santista.
Segundo os dados, a operação Verão, no primeiro bimestre de 2024, causou mais mortes por intervenção policial em Guarujá, Santos e São Vicente do que no período de 12 meses nos anos de 2022 e 2023.
Medida importante
Em sua decisão, Barroso ressaltou a importância do uso de câmeras em operações de segurança. Ele disse que a medida tem “função dupla”, ao beneficiar cidadãos e policiais. Segundo o ministro, o instrumento evita abusos e protege os agentes de segurança de”acusações infundadas sobre o uso da força”.
“Ao saberem que suas interações estão sendo gravadas, policiais e cidadãos tendem a adotar comportamento mais adequado. Além disso, a medida amplia a transparência, a legitimidade e a responsabilidade (accountability) da atuação policial e serve como importante meio de prova em processos judiciais”, disse o ministro.
Para rejeitar o novo pedido, Barroso disse que o governo paulista informou ao STF ter feito um planejamento da estratégia de expansão da compra e uso das câmeras, “prevendo de maneira adequada a alocação de custos, o processo licitatório, e a logística de capacitação de seus operadores”.
O estado apresentou um cronograma, prevendo a publicação do edital para a compra em maio, a assinatura do contrato com a fornecedora em junho e a “efetiva instalação e capacitação dos operadores, prevista para ser concluída em setembro”.
O governo de Tarcísio também disse ao STF que aumentou o investimento para a aquisição das câmeras. Afirmou que o número de equipamentos passou de 500, em 2020, para 10.125, em 2023 e que a implantação é “gradual”.
“Indiscutível relevância”
Em dezembro, Barroso rejeitou pedido para derrubar a decisão do TJ-SP, em ação movida pela Defensoria Pública de SP.
O órgão havia acionado a Presidência do STF com uma ação chamada suspensão de liminar para reverter uma decisão do presidente do tribunal paulista.
Barroso disse na ocasião acreditar que o uso de câmeras em operações policiais em São Paulo deve ser implementado, mas que não cabia no momento uma intervenção urgente e excepcional do STF.
O ministro, ao analisar o pedido, avaliou que o caso tem “indiscutível relevância”, porque o uso das câmeras corporais em policiais aumenta a transparência em operações, coibindo abusos e reduzindo o número de mortes nas regiões em confronto, e serve de proteção aos próprios policiais.
Barroso concluiu, no entanto, que o tipo de ação apresentada pela Defensoria Pública não é o meio próprio para reverter decisão do Tribunal de Justiça do Estado e que, neste momento, não seria adequada uma intervenção excepcional da Presidência do STF.
“Apesar de a implementação de câmeras nas fardas de policiais militares que participam de operação ser uma medida constitucionalmente legítima e socialmente desejável, a reversão da decisão impugnada possui implicações de ordem financeira e operacional, que produziriam impactos complexos que não podem ser adequadamente mensurados nesta via processual”, afirmou, na época.
Entenda o caso
A Defensoria Pública e a associação Conectas Direitos Humanos apresentaram uma ação civil pública para garantir o direito fundamental à segurança pública por meio de maior controle e transparência nas operações policiais.
Elas defendem a utilização de câmeras corporais por policiais civis e militares em operações realizadas em resposta a ataques praticados contra policiais.
A ação foi proposta no contexto da Operação Escudo, conduzida pela Polícia Militar, que foi desencadeada após a morte de um soldado em uma incursão a uma comunidade na região da Baixada Santista.
A operação envolveu 600 homens de todos os batalhões, resultando em 958 pessoas detidas, 28 civis mortos e 3 policiais militares baleados.
No final de setembro, o pedido da Defensoria Pública e da associação foi acolhido pela primeira instância.
A ordem incluía a utilização de câmeras corporais em todas as operações que tivessem por finalidade responder a ataques praticados contra policiais militares e que o governo de São Paulo fosse obrigado a instituir mecanismos para assegurar o correto uso das câmeras corporais por parte das forças policiais.
No mesmo dia, a decisão foi suspensa pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O desembargador Ricardo Mair Anafe considerou que a medida resultaria em gastos excessivos, o que poderia gerar riscos à economia pública.
“A decisão determinou que o Estado adote providências que poderão ocasionar o dobro do gasto atualmente estimado, que é de aproximadamente R$ 126 milhões, interferindo diretamente no planejamento orçamentário do Estado, bem como na política pública definida para a Secretaria de Segurança”, escreveu Anafe.
Um recurso foi apresentado contra a decisão, mas os desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça o rejeitaram e referendaram a ordem do presidente do TJ na primeira quinzena de dezembro.
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